29 agosto 2006

Crise

Há um momento da nossa peça em que pergunto, mas que crise? Nunca tinha pensado nesta fala como algo diferente de momento complicado, de difícil solução, até que escutei dramaturgos (vocês, meus amigos) falando sobre estrutura de dramaturgia e a crise que prepara o desenlace da trama. Não sei se era a intensão, mas passei a pensar naquela cena como uma crise que não deveria existir naquele momento, pois minha personagem, como ferramente do autor, entenderia da estrutura a ponto de identificar que aquela hora não era a da crise afinal.
Guardei comigo e penso a cada apresentação em como mostrar isso ao público. A crise tem hora pra contecer, não a que queremos, muito menos aquela pra qual estamos preparados, mas hora em que tudo o que se contruiu no roteiro se acumula e explode em urgência de reação.
Essa viajenzinha no universo dramaturgico me fez pensar no cotidiano. Nossas vidas. Escolhas.
Decidimos em algum momento, vivenciar a fé de maneira ativa, estudar preceitos, adequar condutas. Muitos pensam que isso é uma busca pela paz, mas na verdade é um comprometimento que passa longe da mera contemplação e exige esforço, dedicação e até esquecimento, pra que ocorra de forma autentica e nos eleve espiritualmente.
Assim vivo minha fé, muitas vezes disforme. Apreendo elementos, acumulo experiências até que a crise verdadeira me cobre o resgate das condutas esquecidas e me deixe escolher se quero enfrentar tudo sozinha, baseada na lógica, ou se quero crer que todos os problemas tem solução, contrariando esperanças machucadas.
As crises virão, sempre. A cada recomeço, escolho a disciplina e assumo a fé.

Entre preces

Certa vez, numa madrugada gelada de São Paulo, meu filho teve febre. Eu tinha prometido um trabalho para o dia seguinte, logo cedo, e pretendia passar a madrugada trabalhando pra honrar o pedido. Aquela febre, repentina e forte, sacudiu meus planos e me colocou em desespero.
Muitos motivos de preocupação, evidente. Um filho doente nos põe em alerta. Eu queria entregar o tal serviço para pagar o plano de saúde, atrasado no roldão de outras inúmeras contas. Sabia que sem o pagamento não seríamos atendidos, por isso a urgência em exigir do corpo e da mente algumas horas mais de vigília pra sanar essa parte do problema.
Mas o pequeno acordava a cada meia hora, se virava do avesso despejando fora os restos da janta, do chá que preparei antes do sono, dos remédios que eu dava tentando minimizar o desconforto. Tudo o que me pedia, sem entender direito o que sentia, é que eu ficasse do lado de sua cama, massageando suas costas que ardiam sem parar. Assim eu ficava por vinte minutos até que seus olhinhos dessem um sinal de relaxamento e voltava à encomenda que garantiria a dignidade de uma consulta com o médico. Em pouco tempo de trabalho eu o ouvia chorando e voltava rápido ao seu quarto, pra trocar suas roupinhas molhadas e recomeçar o ritual de carinhos até a próxima onda de sono.
Já avançava a madrugada, ele ainda acordando de tempos em tempos, e eu já muito descompensada pelas horas de cuidados e trabalhos inacabados, quando ele me disse - mamãe, eu te amo de um tamanho maior que tudo. Retribui a declaração com um beijo e um "eu também te amo mais que tudo".
Em sua reflexão de menino, muito seriamente, me perguntou se o planeta era o maior tamanho de tudo. Expliquei que o planeta é grande, mas o universo é maior. - E o que é maior que o universo, disparou no segundo seguinte. Minha reposta imediata não podia ser outra: Maior que o universo é Deus. Já retomando a sonolência, ele se aninhou no meu colo e disse que me amava do tamanho de Deus. Assim fechou os olhinhos e senti seu corpo relaxar novamente, pra mais alguns minutos de descanso.
Saí do quarto atordoada.
Cabe tanto amor assim numa existência de criança? Me ama e se consola com um beijo e eu não posso lhe garantir a segurança de um remedinho certo ou da visita ao médico? Eu lhe digo que logo vai sentir-se melhor e ele acredita em mim, simplesmente porque é a mãe quem fala...
Quando voltei ao computador, na esperança de continuar o trabalho, já não conseguia enxergar a tela, estava exausta, descrente de mim, e uma voz fraquinha me lembrava que tem horas pra se crer sem explicações. Meu filho tem fé.
Tentando manter os olhos abertos, certa de que não conseguiria mais entregar o trabalho, me vi chorando, me vi pedindo forças, me senti rezando pra que o "Deus que é maior que tudo" me desse forças além da conta e mantivesse envolto, protegido meu anjinho, até que eu pudesse lhe assistir como se deve.
E não era mais o Deus Pai que me respondia. Lembrei das vinte horas de trabalho de parto em que me mantive forte e crente na minha capacidade. Recordei o rosto tranqüilo de meu bebê, saído do meu ventre, cuja única preocupação aparente era sentir-se acolhido no meu peito. A partir deste dia minhas preces todas foram instintivamente dirigidas ao Deus que também é Mãe, que sabe tirar ânimo além de todos os limites e protege no útero seus filhinhos até que chegue a paz.

28 agosto 2006

Chuva e Terra

Visitei um oceano e dancei lembrando as minhas cantigas de ninar e as mamadeiras no meio da madrugada.


Sou muito água. Nos olhos, na pele, na boca, nos seios, no sexo, muita água e sentimento escorrendo sempre sem controle.
Quando criança também me ensinaram a não bater os pés no chão por querer o que não podia.

- Chora, mas não sapateia, dizia minha mãe.

Sem saber ela me formou uma fonte sempre jorrando, e me absorvendo na terra, ignorante da magia e da fecundidade de meu corpo de mulher.
Muito tempo fui garoa ininterrupta encharcando a terra, fazendo lama sem entender de sementes e brotos. Desfigurada, mole e amorfa, eu erodia meus sentidos.
Foi preciso crescer, amar, gozar, sofrer, esperar e muito chorar pra eu entender o que não me foi dito.
Bater os pés no chão com a força do desgosto ou do desejo descontrolado, pra que a Terra, sagrada mãe, me devolvesse impulso e vitalidade. Não sei porque essa mágica me foi escondida, mas hoje sei que na fluidez da minha feminilidade, tenho o taconear, que faz tremer o chão e ainda posso chover minha vida nos caminhos da minha vontade.

Coisa de menina

Adoro esmalte vermelho. Adoro mini saia. Adoro maquiagem forte, cabelos longos (pintados de preto) e salto alto. Fumo feito chaminé! O barato é que todos os meus amigos (todos mesmo) dizem que sou santa... Engraçadas essas coisas de mulher.
Hoje estou de esmalte preto, por causa da Rubrica e vou ficar assim por mais um mês, enquanto durar a temporada da peça. Só não tenho altura pra parecer a Mortícia Adams.

Meu coração, não sei porque...

Um mar de gente cantando junto músicas eternas... Era tudo o que eu precisava pra espantar os meus fantasmas de artísta. Sem saber você me deu hoje um presente. Sentir uma amiga querida se emocionando no palco, olhando pro céu e abençoando ouvidos, foi realmente a força que eu precisava no meu mundinho de cena e palavra.
Quero te ver, escutar. Seria legal até participar daquela roda sagrada com fogueira e vinho, quem sabe descobrindo novas cores de esmaltes, só por diversão.
Não fica longe, não. Perdoa meu silêncio. Acredita no meu carinho. Você é uma das melhores amigas que tive a graça de conhecer... só falta o abraço apertado pra tudo fazer sentido.

Começar, enfim.

Venho fingindo um recomeço eterno há muito tempo. De tanto treino pareço até saber o que é começar de novo, mas como dizem lá em casa, ensaio é bom, mas a mágica só acontece diante do público.
Deixa eu beber essas palavras, ler mais uma vez as tuas dores e descobrir o que falta no meu enredo pra que vire verdade. Estou cansada de sonhar que amo, preferia viver a certeza de um fim, só pra poder de uma vez por todas recomeçar.

Saudade de conhecer

Fiquei calada um tempão e as duas "vozes tecladas", as mais importantes pra mim, aceitaram meu silêncio. Não sei se por respeito ao meu sumiço ou pela correria da vida, não te ouvi mais.
Hoje voltei aqui pra te lembrar que te gosto muito e acabei e me deparando com promessas de parceira com a Cigarra! Lindo de pensar é a verdade.
Já que não posso superar o fuso horário, ou o parafuso financeiro que me acorrenta aqui em Sampa, vou sonhando com um bate papo regado à música e algo mais... Um dia esse abraço vai ter que acontecer.

24 agosto 2006

Reflexos da tabacaria

Não sei se o Álvaro, persona de Fernando estava certo. No fundo tendo a acreditar que sim porque aprendi que as palavras que nos tocam o íntimo são as mais carregadas de verdade.
Palavras. Vieram com cheiro de nicotina, gosto de rodapé de página mil vezes lida tentando encontrar uma saída pra tanta verdade que não quero que exista.
Há sim e é rude, o destino de tudo o que existe. Todas as madrugadas do mundo são uma miséria de existência, e como nos parecem intensas por toda a vida, imensas e repletas de interrogações só porque temos a obrigação de existir sem sentido e prosperar, e procriar, e criar, e aprender. Tudo pra saber que sempre haverá outro maço de cigarro e outro poema. Haverá o sempre e os que se deparam com o nada.

No escuro

Fiquei sem luz faz alguns dias. Deixei atrasar a conta além do limite e cortaram. A geladeira que há tempos trabalhava pra esfriar uma garrafa d'água finalmente teve descanso.
Sem luz não tinha computador, não tinha blog nem bate papo. Descobri o tamanho da minha solidão. Sem eletricidade eu não tenho amigos.
Meu filho chegou da creche e chorou com a notícia de que não tinha luz porque não paguei a conta, mesmo podendo ver TV na casa da vó, não era o bastante pra ele. Queria a tranqüilidade do clique no botão que magicamente espanta o bixo-papão do quarto à noite.
Naquele fim de tarde, sentei no quintal consolando meu anjinho, tentando explicar que trabalhei sim pra ter o dinheiro, mas não ganhei o suficiente. Disse que às vezes lutamos muito, mas era preciso lutar mais um pouquinho. Contei pra ele que tem muita gente que trabalha a vida toda e vive no aperto, crianças que não ganham presentes e ainda trabalham no sol e no frio pra ajudar aos pais. Contei que falta trabalho pra muita gente que precisa comprar feijão, e como não tem trabalho, não tem feijão.
Naquele anoitecer enchi a casa de velas, deitei do lado do meu filho contando historinha de formigas e cigarras. Ele dormiu e eu chorei baixinho.
No dia seguinte o Sol, mais do que bem vindo marcou o vinco das minhas olheiras. Tive certeza: Não sei o que faria da vida sem a luz do Sol.

09 agosto 2006

Karma ou paixão

Esperei, espero sempre.
E se ele chega e não me encontra. Se me vê e não me acha. E se me olha e pensa que é espelho, sorri e vai embora por estar muito cheio de si, por estar muito cansado de ser e reviver?
Ele veio certa noite e eu me moldei no seu peito, senti sua falta de ar, me embriaguei nas suas memórias, vivi suas aventuras e sofri suas angústias.
Ele veio, eu me entreguei, me neguei, me prostrei. Ele limpou os pés cansados e não me viu.
Desde então vou com ele. Sigo grudada na sola do seu sapato...

Ciclos em revolução


A vida é ciclo eternamente. A cada repetição há um pequeno avanço, não exatamente uma melhora, mas uma mudança de qualidade que deforma a linha da vida e a transforma em espiral.
É por isso que a cada volta, algo novo pode se manifestar como versão inédita do caminho eterno.
Amor, dor, sonho e desilusão são as fibras dessa linha de tempo.
Cabe a cada solitário fortalecer a trama, fiar uma corrente forte o bastante que suporte as revoluções abruptas que sempre estão por vir.
Se duas destas finas espirais finalmente se entrelaçam, podem por mágica tecer uma renda, frágil e translúcida como uma asa de borboleta, mas única, por isso bela.
Isso é amor? Prefiro pensar que essa fina renda seja um lençol que acolhe e protege os corpos amantes que fecundarão o mundo.