31 outubro 2006

Ronaldo

Meu querido, como doeu ficar tão longe... Nem tua nova casa eu conheci ainda. Não te dei meu abraço de mãe na hora mais delicada, nem te lembrei da longa vida pra viver valendo muito mais que qualquer momento de sono.
Acho mesmo que me afastei dos sonhos virtuais tentando me estruturar no emprego novo. Sabe, andei fugindo, parei de escrever, um pouco por falta de tempo, mas principalmente pra acostumar o corpo e não instigar a alma pra continuar trilhando as belezas e prazeres que estão sempre tão longe da dura realidade que me envolve.
Estou com saudades, meu querido. De você, do que tuas palavras me inspiravam sempre, saudade da intensidade das paixões irrealizáveis. Sinto falta de partilhar os sabores que só a madrugada traduz. É verdade, sinto saudades de você e de tudo e do pouco que pude conhecer te lendo.
Cuide-se meu poeta. Mantenha o ar fluindo, o sangue regando os desejos, as palavras explodindo pra quem passar perto lembrar também de querer amar. Cuide do corpo pra que a tua alma inquieta e apaixonante continue sempre a cada vez mais, nutrindo quem tiver a sorte de te olhar.
Grande beijo, da atriz.

09 outubro 2006

Depois de assistir à peça de Johhny Cagyn

Também tenho momentos e fases significativos em minha vida. Acredito que todos tenham. Mergulhar no Indispensável Exercício Sobre o Nada me fez refletir sobre o que aprendi até hoje sobre amor e medo.
Não fui menina namoradeira, na verdade meus óculos e as pilhas de livros me fizeram passar despercebida na adolescência. Não o suficiente pra me proteger da dor, de amar e errar. Na verdade não era desejada, mas amava. Era admirada pelo inusitado da timidez extrema contrastando com a expressividade. Quantas vezes sentada ao lado de um garoto nos trabalhos escolares eu desejei ser outro corpo que fosse capaz de provocar distração, erros, advertências, quando tudo o que conseguia era ser garantia de uma boa nota ao felizardo que dividisse comigo um seminário na aula de química. Verdade. Antes de aprender o medo de amar tirei diploma em solidão.
Segui o rio, beijei a primeira vez, transei a primeira vez, tive dúvidas, senti culpa, fiz teste de farmácia, chorei no banheiro. Segui o rio.
Ainda sem medo encontrei um amor. Alguém que via além dos óculos e livros. Ainda mais tímido que eu, ainda menos apto ao sofrimento, ainda mais solitário. Com ele acreditei na arte e fui brincar de ser atriz, depois levar a sério, aprender o ofício de ser musa pra apenas um par de olhos. Mergulhei fundo e amei além da conta, do nexo, do possível, do admissível. Cultivei sonhos e construí perspectivas baseadas numa reviravolta do destino. Fiz um filho, comprei um anel, botei no papel. Foi amor sim, daqueles de novela, de se rasgar a fantasia de porta-bandeira em nome do grande amor. Um erro, não pelo amor, por amar, por ele... Minha maior lição a caminho do medo: O amor não muda as pessoas. Beijei a última vez, transei a última vez, tive dúvidas, senti culpa, fiz teste de farmácia, chorei no banheiro. Virei a página.
Os anos passaram. Amortecimento. Um flerte, paquera virtual revelou o medo dominando minhas horas. Olhei pela fresta, abri a janela e o argonauta de sonhos botou diante de mim um espelho. Espantada com a cor dos meus olhos emoldurados de novas e insistentes rugas, nem percebi que ele vinha de passagem. Brincou com o medo, desafiou o destino e se foi. Mas deixou a janela aberta...
Outros também sorriram e calaram. Bocas, mãos, suores e alguma saudade caprichosamente guardada a espera de outro beijo. Mas não amor.
Os olhos tristes me lembraram da vida real, foram a transição do amor idealizado ao exercício efetivo da solidão, autêntica, bruta, mas verdadeira. Ele se foi, pra nunca mais, pra bem melhor e pela primeira vez lamentei o beijo que não foi dado. Não o culpo pela saudade que ficou.
Tentei ainda mais uma vez a proteção do sonho, carregado de promessas. Um ser alado percorreu minhas noites, preencheu minha alma. Cobrou obediência e entrega, paixão, luxúria, fantasias intermináveis de nunca se realizar, testou meus limites, quebrou meu espelho e com meus dedos feridos dos cacos lembrei de novo do medo. Assim como veio impondo realidades, partiu para seus próprios sonhos. Em troca me provou que os espelhos em que me via eram pequenos. Hoje me conheço mais.
Decidida a fincar os pés no chão, fui pega numa armadilha. Nas luzes coloridas, fumaça azulada, brincadeira sagrada dos deuses senti que a realidade é muito mais sensível ao tato e à perda, mais instigante no jogo da conquista e mais dolorosa no desprezo. Era tanto desejo que virou promessa de não dar certo. Difícil entender? Ora, qualquer um pode ter medo de amar. (Nestas horas ainda é melhor a utopia que o fato).
Sempre tantas horas de espera, sempre tanta tristeza de não se saber o fim, e finalmente dei uma volta no destino. Foram nas palavras, (escritores, ai escritores!) que ele confessou um olhar tímido, de desejo. Eu confessei um respeito calculado, a admiração, o desejo enfim. E nossas bocas seguiram confessando pecados já sabidos, e os corpos como prova nos desnudaram a vontade de rir do destino. Ainda há névoas que turvam meus olhos, sensação de quase cair e necessidade de respeitar o medo. Mas nada esconde os eclipses.
Numa reflexão muito breve e em nada definitiva, conclui que tenho medo de amar, sim. Amar uma entrega, um sofrimento de bem querer, uma vontade de mudar o mundo, uma paixão de sair do prumo. Tenho medo. Mas quero. E vou.


Serviço da peça Indispensável Exercício sobre o nada.

A música "Eleanor Rigby" é a matriz da peça "Indispensável Exercício Sobre o Nada" que está em cartaz em São Paulo. A peça, inspirada pela canção de McCartney e Lennon, acontece em um casarão onde o público (a lotação é de apenas 30 pessoas) acompanha a encenação por 4 ambientes, sempre muito próximo, sempre muito íntimo das situações vividas pelos atores em cena.

SINOPSE DA PEÇA:
Eleanor atropela um desconhecido e, após socorrê-lo, descobre que ele perdeu a memória. Os dois se apaixonam, porém a identidade deste desconhecido revela-se um problema para a relação.
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Texto e Direção: Johnny Kagyn
Com: Geovane Fermac e Kalina Svidevska
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Quintas ás 21h
CASARÃO DO BELVEDERE

Rua Pedroso, 267 (metrô São Joaquim)
Informações e Reservas: (11)3266-5272
reservas@casaraodobelvedere.com.br
Ingressos: R$10,00 a R$20,00