09 outubro 2006

Depois de assistir à peça de Johhny Cagyn

Também tenho momentos e fases significativos em minha vida. Acredito que todos tenham. Mergulhar no Indispensável Exercício Sobre o Nada me fez refletir sobre o que aprendi até hoje sobre amor e medo.
Não fui menina namoradeira, na verdade meus óculos e as pilhas de livros me fizeram passar despercebida na adolescência. Não o suficiente pra me proteger da dor, de amar e errar. Na verdade não era desejada, mas amava. Era admirada pelo inusitado da timidez extrema contrastando com a expressividade. Quantas vezes sentada ao lado de um garoto nos trabalhos escolares eu desejei ser outro corpo que fosse capaz de provocar distração, erros, advertências, quando tudo o que conseguia era ser garantia de uma boa nota ao felizardo que dividisse comigo um seminário na aula de química. Verdade. Antes de aprender o medo de amar tirei diploma em solidão.
Segui o rio, beijei a primeira vez, transei a primeira vez, tive dúvidas, senti culpa, fiz teste de farmácia, chorei no banheiro. Segui o rio.
Ainda sem medo encontrei um amor. Alguém que via além dos óculos e livros. Ainda mais tímido que eu, ainda menos apto ao sofrimento, ainda mais solitário. Com ele acreditei na arte e fui brincar de ser atriz, depois levar a sério, aprender o ofício de ser musa pra apenas um par de olhos. Mergulhei fundo e amei além da conta, do nexo, do possível, do admissível. Cultivei sonhos e construí perspectivas baseadas numa reviravolta do destino. Fiz um filho, comprei um anel, botei no papel. Foi amor sim, daqueles de novela, de se rasgar a fantasia de porta-bandeira em nome do grande amor. Um erro, não pelo amor, por amar, por ele... Minha maior lição a caminho do medo: O amor não muda as pessoas. Beijei a última vez, transei a última vez, tive dúvidas, senti culpa, fiz teste de farmácia, chorei no banheiro. Virei a página.
Os anos passaram. Amortecimento. Um flerte, paquera virtual revelou o medo dominando minhas horas. Olhei pela fresta, abri a janela e o argonauta de sonhos botou diante de mim um espelho. Espantada com a cor dos meus olhos emoldurados de novas e insistentes rugas, nem percebi que ele vinha de passagem. Brincou com o medo, desafiou o destino e se foi. Mas deixou a janela aberta...
Outros também sorriram e calaram. Bocas, mãos, suores e alguma saudade caprichosamente guardada a espera de outro beijo. Mas não amor.
Os olhos tristes me lembraram da vida real, foram a transição do amor idealizado ao exercício efetivo da solidão, autêntica, bruta, mas verdadeira. Ele se foi, pra nunca mais, pra bem melhor e pela primeira vez lamentei o beijo que não foi dado. Não o culpo pela saudade que ficou.
Tentei ainda mais uma vez a proteção do sonho, carregado de promessas. Um ser alado percorreu minhas noites, preencheu minha alma. Cobrou obediência e entrega, paixão, luxúria, fantasias intermináveis de nunca se realizar, testou meus limites, quebrou meu espelho e com meus dedos feridos dos cacos lembrei de novo do medo. Assim como veio impondo realidades, partiu para seus próprios sonhos. Em troca me provou que os espelhos em que me via eram pequenos. Hoje me conheço mais.
Decidida a fincar os pés no chão, fui pega numa armadilha. Nas luzes coloridas, fumaça azulada, brincadeira sagrada dos deuses senti que a realidade é muito mais sensível ao tato e à perda, mais instigante no jogo da conquista e mais dolorosa no desprezo. Era tanto desejo que virou promessa de não dar certo. Difícil entender? Ora, qualquer um pode ter medo de amar. (Nestas horas ainda é melhor a utopia que o fato).
Sempre tantas horas de espera, sempre tanta tristeza de não se saber o fim, e finalmente dei uma volta no destino. Foram nas palavras, (escritores, ai escritores!) que ele confessou um olhar tímido, de desejo. Eu confessei um respeito calculado, a admiração, o desejo enfim. E nossas bocas seguiram confessando pecados já sabidos, e os corpos como prova nos desnudaram a vontade de rir do destino. Ainda há névoas que turvam meus olhos, sensação de quase cair e necessidade de respeitar o medo. Mas nada esconde os eclipses.
Numa reflexão muito breve e em nada definitiva, conclui que tenho medo de amar, sim. Amar uma entrega, um sofrimento de bem querer, uma vontade de mudar o mundo, uma paixão de sair do prumo. Tenho medo. Mas quero. E vou.


Serviço da peça Indispensável Exercício sobre o nada.

A música "Eleanor Rigby" é a matriz da peça "Indispensável Exercício Sobre o Nada" que está em cartaz em São Paulo. A peça, inspirada pela canção de McCartney e Lennon, acontece em um casarão onde o público (a lotação é de apenas 30 pessoas) acompanha a encenação por 4 ambientes, sempre muito próximo, sempre muito íntimo das situações vividas pelos atores em cena.

SINOPSE DA PEÇA:
Eleanor atropela um desconhecido e, após socorrê-lo, descobre que ele perdeu a memória. Os dois se apaixonam, porém a identidade deste desconhecido revela-se um problema para a relação.
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Texto e Direção: Johnny Kagyn
Com: Geovane Fermac e Kalina Svidevska
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Quintas ás 21h
CASARÃO DO BELVEDERE

Rua Pedroso, 267 (metrô São Joaquim)
Informações e Reservas: (11)3266-5272
reservas@casaraodobelvedere.com.br
Ingressos: R$10,00 a R$20,00

4 comentários:

Anônimo disse...

Ia buscar alguma frase perdida de algum autor que li e que passou a fazer parte de mim para tentar dizer as coisas que gostaria. Mas desisti, achei melhor escrever eu-mesmo para que não houvesse a dúvida sobre quem fala, nem a timidez disfarçada de erudição, ainda que as palavras nem sempre sejam suficientes para dizer aquilo que só pode ser expresso pelo todo.
Curioso nós dois enxergamos na peça este drama contrário ao que o autor quis que todos vissem, o do medo. Nestes tempos de amores calculados, no qual as escolhas são feitas como quem lê atentamente os rótulos dos produtos que adquire no supermercado, numa época na qual as pessoas ao invés de buscarem ser inteiras procuram algo que as complemente, é uma maravilhosa sensação estar assim prisioneiro dos seus olhos, sem cálculos, sem máscaras, amor de pessoas que amam a liberdade, talvez existam névoas e temores, mas há também a intensidade que move e a luz do Sol e da Lua para afastar os temores.

Anônimo disse...

não vi a peça, não sei do que ela trata, mas conheço o amor, mesmo assim não sei do que ele se trata, também conheço este medo de que você fala, este medo de amar, é acho que é medo do desconhecido, por não saber do que amor se trata e todos no fundo pouco sabemos do amor apenas o que lemos nos poemas e são só poemas, ou ouvimos nas canções e são só canções, nunca se está seguro diante do amor, ele é sempre novo, e por ser novo nos atrai, por ser desconhecido nos atrai, por exigir que nos lancemos de cabeça é que tememos, no amor precisamos coragem, coragem de nos sabermos frágeis para amar, para amar não é questão de força, é questão de jeito, e cada um tem um jeito de amar, um estilo, mas mesmo este estilo cai de moda, sai de cena, diante de uma nova chance, o amor nos obriga a nos adaptarmos ao amor que vem, ao amor que o outro tem para nós, com limites ou com excessos.

Anônimo disse...

Reflexos de amor!!!

Como era lindo aquele menino, tão triste e reservado.
Como era bonita aquela criança, tão carente de atenção.
Com que carinho me carregava em tua alma, desconhecendo o próprio futuro.
Que olhar tão vivo de esperança, ao mesmo tempo que tão vago e tão fugaz.
Que saudade da tua inocência, que tanto me falta faz.
Como eu queria poder recuperar parte daquilo que foi essa criança.
Hoje, me parece, tão tranqüila e feliz, ainda tão capaz de causar essa nostalgia.
Tão distante e tão próxima, causa lagrimas de saudade.
Assim é o amor, puro reflexo do que se perdeu.
Abrigado na inocente e pura alma, que com o tempo se esqueceu.
Reconheço no outro aquilo que não fui capaz.
Reconheço no outro aquilo que me apraz.
Reconheço no outro aquela parte perdida de mim.
Que medo de te perder outra vez, aquele menino que fui há tanto tempo.
Aquela criança que, hoje tão maltratada pelo tempo, desconhecia lembranças e apenas sentia sem a menor preocupação.
Que medo de te perder outra vez, mesmo sem saber se vou te reencontrar.
Mesmo sabendo que é parte da minha primeira morada que lá não vou encontrar, mas no seu reflexo reconhecível em algum alheio olhar.
É um prazer te reconhecer, embora me cause tanto medo a possibilidade de te perder.

Por Adilson em Outubro 06

arcanjo disse...
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